Desde os tempos universitários, alimentava uma enorme vontade de fazer minha especialização na Europa, o berço da Arquitetura Mundial. Várias cidades me apeteciam. Alemanha, Holanda, Irlanda, Paris...Mas foi Milão que alimentou minha fome a tal ponto, que investi três anos de BNC* em um curso de italiano para quem sabe, morar uns tempos na Itália.
Não estava indo de mala e cuia, como gostaria, mas estava indo visitar uma amiga que ao contrário de mim que investi no trabalho, investiu nos estudos e conseguiu. Eu concluí o curso de italiano, ela não. Ela conseguiu a bolsa, eu nem comecei o processo de seleção. Moral da história, ela aprendeu o italiano nativo e eu tinha um diploma, pouso e uma guia turística local. Nada mal!
Foi com o incentivo de uma cliente que admirava meu prazer de viajar e minha liberdade, que troquei a administração da obra dela por minha passagem.
Passagem comprada, mala feita e o Salão do Móvel de Milão como desculpa primordial para ir. Adoro aliar viagem de lazer com enriquecimento de minha profissão e de quebra visitar minha amiga que eu não via há tempos e ajudá-la com a bagagem em seu retorno ao Brasil.
Fui de TAP, porque sou TAM e adoro praticidade. Se posso acumular mais pontos, não vejo porque outra razão.
Numa sexta-feira 13, parti de Brasília com escala em Lisboa. Lá com tanto tempo disponível para aguardar meu segundo vôo, namorava Portugal pelos mapas, revistas e janelas e já sabia, voltarei aqui pra conhecer!
Já em Milão, onde cheguei pelo aeroporto de Malpensa, era minha chance de testar se os anos de Língua Italiana haviam sido proveitosos. Cheguei bonitinha na praça combinada só pedindo informações e lendo os mapas.
Sentada nas mesas externas de um café aguardando Karol, eu que quase nunca sinto frio, estava muito bem agasalhada. Botas, casaco e cachecol. A mais contente das criaturas. Sorria para o mundo.
Entre minha chegada e partida foram seriam 13 dias. A Feira que era o motivo principal da viagem acontece durante apenas uma semana o que nos rendia alguns de folga, antes.
A sugestão de Karol foi prontamente por mim acatada. Vamos conhecer Londres! Passearíamos primeiro. Trabalharíamos depois. Pela vida que levo. Estava tudo de acordo.
Londres sempre esteve entre os meus "destinos-desejo" e a oportunidade de aproveitar minha primeira estada na Europa para conhecê-la foi como comprar uma calça jeans nova e ela já vir com aquele dinheiro no bolso que a gente esquece de tirar na hora de lavar. Ou seja, o plus da vida. Mesmo sabendo que você pagou por ele.
O frio que eu sentia em Milão duplicou ao chegar em Londres. Alegria em dobro também.
O vôo foi numa aeronava pequena, coisa que eu adoro e passou rápido. Do aeroporto para a cidade, fomos de trem. Eu minha veia urbanista grito logo, as periferias de lá, são nossos bairros de luxo.
Na descida do trem, resolvemos comer antes de qualquer coisa, para que pudéssemos raciocinar. Coisa boa é viajar com amiga boa de garfo como eu. Não tem melindre. Cada um pede o seu e ninguém confisca. Mas foi nesse exato momento que eu descobri que teria dificuldade de ser feliz do ponto de vista gastronômico em Londres. Todos os pratos vinham com bacon de brinde. Verdura e salada, de repente viraram artigos raros e, portanto de luxo. Mas, eis que redescobri a omelete. Mais adiante, mais andarilha eu descobriria outros prazeres.
Em frente à lanchonete onde almoçamos. Uma catedral que considero uma de minhas melhores imagens de Londres. A Southwark Catedral.
Foi então que depois de dois ônibus e muita caminhada, encontramos nosso Albergue. Logo descobrimos que o mais inteligente seria comprar o Oyster Card, porque serve tanto para ônibus e metrô e porque a passagem lá custa muito caro. Depois que descobrimos que a estação para o Albergue era Bethnhall Green a vida foi só alegria.
Em nosso primeiro tour para reconhecer o local chegamos a uma rua bastante movimentada. Com gente esquisita, do jeito que a gente gosta, notamos que era um acontecimento. Ao ler a placa da rua entendi tudo. Era a famosa Brick Lane, em Tower Hamlets.
Nossa região foi adotada por imigrantes de Bangladesh, India e Paquistão no último século e a permanência deles por ali fez surgir restaurantes para alimentar os trabalhadores que prosperavam. Eu adorei o lugar, porque nem eu sabia, mas a comida vietnamita é um achado para quem não come carne. Uma espécie de massa de panqueca com muita pimenta, e várias pastas de cereais, folhas e hortaliças. e muito, muito bem servido.
Ao longo da avenida, muitos mercados de pulgas, brechós, lojinhas descoladas de móveis e decoração e claro, muito cigarro e fumantes.Me senti A descolada, comendo com no pratinho descartável, a céu aberto e dividindo mesa como numa grande piquenique. De longe, o local que eu mais gostei de futricar. Mais até do que o Soho. De modo geral, com aquele meu jeitinho “vamos só mais um poquinho", diariamente atravessávamos Londres a pé para conhecer tudo e utilizavamos nosso tickets apenas para voltar pra casa, já exaustas. Foi assim quando vimos que apenas umas horas de caminhada do albergue nos permitia avistar a London Energy Eye. Como Karol tem medo de altura e a fila era longa e nosso dinheiro curto. Não subimos. Snif! Com isso, nosso primeiro dia já foi tão exaustivo e rico que conhecemos quase tudo. Tower Of London, St. Paul's Cathedral, Tower Bridge Exhibition, Windsor Castle, Westminster Abbey, Tate Modern e Big Ben.
A famosa Picadilly Circus, deve ter graça para quem tem dinheiro para gastar e gosta. Não era o meu caso. Karol e eu entramos num consenso que foi bastante saudável. Nada de Museu Madame Toussauds porque a gente acha cafonérrimo e nada de outros museus porque para quatro dias museus são muito longos. Minha tristeza foi quando a Abbey road e os Zoos ficaram fora da lista porque eu realmente gosto de bicho e de fotos históricas. Mas, quando você viaja com prazo curto e amizade longa as duas coisas devem ser levadas em contas para não serem perdidas. Dou super certo de viajar com Karol porque não somos estressadas. Paramos em locais como a Patisserie Valerie para saborear um cappuccino como lanchamos amendoim doce na praça. Vamos da MM Store à Sex Shops sem que ninguém fique de bico. Meu único stress era o xixi. Bebo água o tempo inteiro e lá você paga para esvaziar a bexiga. Nada de entrar num estabelecimento para usar o banheiro. Ele é só para quem está consumindo. Sai caro (também) em Londres gostar de beber água. Numa noite ainda animei de ir à “balada que ela queria mais que tudo na vida”. Chamava-se Heaven. Mas para mim poderia ser Hell. Só gente feia e underground. Como eu gosto mesmo é de dançar. O saldo foi positivo. O Dj era divino e eu dancei até perder Karol de vista. Com aquele velho hábito de sermos sempre as últimas a irem embora, descolei uma carona com o Dj e o próprio DJ, que na noite seguinte nos levou para conhecer um pub em que a proprietária parecia ser a Alice, sim a do País das maravilhas. A decoração era toda lúdica e tinha até relógio com os números ao contrário. Dos drinks "desce macio" às cervejas com gosto de keep cooler esparramada nas poltronas com ares de Salvador Dalí, eu amei tudo. Menos ter esquecido o nome do pub. No último dia foi um dilema. Queríamos muito ir à Stonehenge, mas era passeio de um dia inteiro. Karol insistiu em comprarmos o bilhete do passeio turístico que dá aula de história durante o trajeto de ônibus e nós veríamos tudo aquilo que não foi possível só com meu espírito de liderança leonina. Quase deu briga. Mas cedi à amiga. Resultado: paguei 29 pounds no bilhete, ele sumiu na saída do hotel e como tudo entre nós é democrático, Karol embarcou no ônibus e eu decidi perambular a pé por Londres e descobrir o que faltava e voltar onde me identificava. Como isso foi gostoso!!! Assim mesmo. Com três exclamações. Fiz todo o percurso dos dias anteriores a pé, novamente, comprei meu almoço e comi debaixo de uma arvore no Green park. Quando fui fotografar o Buckingham Palace, vi uma multidão se formando nos portões e me deparei com que a troca da guarda. Bingo! Em seguida, tomei uma chuva torrencial e ainda assim continuei a caminhada pelos parques vizinhos. Voltei a Hyde Park e ao Royal Park onde vi a casinha de boneca que qualquer criança queria morar. Comigo não foi diferente. Moraria ali, naquela casinha. No centro do parque. Amei Londres! Apelidei-a de Brasília com roupa de festa. Linda, linda! Tudo o que faltou inclusive Stonehenge e o souvenir, ficaram pra próxima porque certamente eu voltarei. Adoro organização. Logo, das linhas de metrô ao espaço, Londres já mora no meu coração. Nós que havíamos viajado com pouca bagagem nos encontramos no final da tarde na estação de trem para irmos ao aeroporto juntas e voar de volta à Milão. Já de volta à Milão, nossa maratona era outra. Feira e Fuori. Eu não sabia que funcionava assim. Paralelo à Feira que é a que fica fora tem o fuori que ocorre dentro. Tomando como base a cidade.
Tudo ao mesmo tempo agora. Longos pavilhões com o que havia de mais novo (ou do mesmo) em design. Louças, metais, revestimentos, tecidos mobiliário, cores, gente inteligente e gente emergente. Gostaria de ter conhecido melhor a região das montanhas. A natureza enfim, de Milão. Porém, nosso tempo se dividia durante o dia em enriquecer nosso conhecimento sobre design e conseguir visitar os pontos turísticos que eu queria e à noite nos desdobramos nas despedidas de Karol. Dos pontos turísticos a Catedral Duomo é disparado o mais bonito de todos. Não por acaso tem uma praça com o nome dela. Ignorando a Galleria Vittorio Emanuelle, ela reina absoluta. Fomos ao Castello Sforzesco, ao Cemiterio Centrale (onde para ser enterrado você precisa ser de família abastada), Museo della Scienza e della Tecnologia Leonardo da Vinci, ao Piccolo Tetro, Brera, Navigli e aos parques.
Milão me lembrou São Paulo. É descolada, tem história, eu comi e bebi bem, me diverti, fiz tudo a pé, vi o que havia de melhor em tendência nas áres de beleza,moda e design, mas a cidade em si é suja e urbana demais pra mim. A impressão que eu tinha é que todos ali fumavam. Isso me incomoda bastante. Nas noites, me apresentaram o Blanco que é um bar gostoso, da bebida à luz, porém mais tranquilo, onde se pode conversar sem gritar e onde eu podia gastar todo o meu Italiano. E a Old Fashion que foi nossa balada Italiana, mais uma vez, com direito a ir embora quando a casa fecha. Disso a gente entende! O mais gostoso em Milão era a segurança que Karol me passava. Parecia que ela responderia todas as minhas dúvidas sobre roteiros, ônibus, preços, comidas... É sempre mais confortante ter alguém local. A casa onde ela morava era um charme. Às vezes comíamos em casa, as vezes dava vontade de não fazer nada. Como ela estava namorando, em alguns momentos ia dormir na casa do namorado e eu ganhava uns momentos solitários para perambular pela região ou simplesmente ter minhas tão valorizadas horinhas de solidão. Em Milão eu tive sonhos e mais sonhos psicodélicos. Não sei se era o cansaço que deixava o nosso sono ainda mais pesado ou se era minha mente em expansão. Milão escurece muito tarde, o que nos deixa muito notívagos. Quando nos damos conta, já é de madrugada. Tudo o que o meu paladar mais ama. Boa massa e bom vinho! Boas e generosas saladas! O primo piato de verdade. A parte mais divertida da viagem foi ajudar Karol a fazer as malas pra voltar. Ela, só não compra urubu voando. O que rendeu muitas malas e miudezas para uma pessoa que só tinha franquia para 20kg de bagagem. Ela voltaria um dia antes de mim, o que nos rendeu uma madrugada inteira sem dormir tentando eliminar coisas e fazer caber tudo nas malas. Depois da exaustão, eu que viajei sabendo que minha sacola tinha apenas 14kg, (peso de sobra para a minha franquia que era de 60Kg), tive a brilhante ideia de trocarmos de bagagem. Ela veio com a minha e eu voltava com as dela. Ela me esperaria no meu apto em Brasília para destrocarmos as bagagens antes que ela voltasse pra Goiânia. Problema resolvido. Karol partiu logo cedo e eu ganhei mais um dia em Milão, outra vez solitária. Comprei maquiagem para as mulheres da família e uma camisa para o meu mais novo magro pai. Gosto mais de levar lembrancinhas que fazer compras. Pra mim, apenas uma bolsa nova, porque a minha arrebentou a alça com o peso dos catálogos do Saloni di Mobili. Voltei à Catedral e subi a torre e lá de cima pude ver mais um espaço conquistado. O avesso do avesso. O novo e o antigo. Toda a arquitetura do mundo ao mesmo tempo. Nada de pedidos ao pé do santo. Só agradecimentos. Uma energia inexplicável. E meu sorriso de orelha à orelha. Como eu fiz a graça de trazer os 60Kg de bagagem da bonita, ela fez o gracejo e deixou o dinheiro do meu táxi até a estação. Paguei de bacana e desci do táxi como se tivesse comprado toda a Galleria Vittorio Emanuelle. Ainda na hora de pesar as malas, tive que me desfazer de alguns itens para atingir o peso da mala e a cena de saias fluorescentes, poás, mini roupas brilhos e paetês ficando no guichê me divertiam ao mesmo tempo orgulhavam de minha amiga que embora uma grande consumista, não tinha apego nenhum. Já havia me autorizado. Se passar do peso, pode deixar sem dó.